O fim da luta, nessas condições, era apenas questão de tempo. Se ela ainda se deveu a dois fatores básicos: o esforço dos combatentes e a incrível mobilização da população paulista em torno de uma causa que se converteu em absoluta unanimidade.
Enquanto os soldados e voluntários resistiam nas trincheiras, a população civil atirava-se apaixonadamente à tarefa de suprir, tanto possível, as deficiências que surgiam. As mulheres costuravam uniformes e agasalhos, preparavam refeições de campanha, arrecadavam cigarros e utilidades para os combatentes. A indústria procurou adaptar-se, do dia para a noite, para a produção de capacetes, armas, bombas, munição para fuzis, vagões blindados, enfim, tudo que pudesse compensar a crescente disparidade de material bélico entre os dois lados em combate.
Meio século atrás, porém, faltava à indústria paulista maior desenvolvimento tecnológico para essa súbita transformação: o equipamento produzido nem sempre era perfeito e, fabricado em condições improvisadas, às vezes não funcionava. Por exemplo, durante os testes dos primeiros morteiros feitos em São Paulo, a explosão extemporânea de um deles causou a morte do comandante da Força Pública, coronel Marcondes Salgado, atingido por um estilhaço (o general Klinger ficou ferido no braço e precisou ser hospitalizado por alguns dias).
Foi nessa ocasião que, chamado do Túnel da Mantiqueira, o coronel Herculano de Carvalho assumiu o comando da milícia. É dele, aliás, um relato que dá uma ideia do problema que se tornara a falta de munição:
"Numa análise deste fator preponderante do nosso desastre militar, não me furto a narrar um fato que se verificava no setor Norte (...) Por falta de munição, que insignificante era a quantidade produzida por nossas fábricas, imaginaram os soldados constitucionalistas algo que a substituísse, ainda na aparência: mandaram construir, nas oficinas da Rede-Sul Mineira, em Cruzeiro, uma espécie de matraca. Sacudida com pulso vigoroso, dava a impressão de tiros de fuzis e metralhadoras. O mesmo efeito obtinham de motocicletas postas em funcionamento (...)"
(O relato do coronel Herculano consta de um documento que publicou, após a Revolução, para defender-se das críticas à sua decisão de aceitar um armistício em separado com as tropas da ditadura).
Houve grande esforço, também, para a compra de armas e munições do Exterior, por conta de créditos sobre carregamentos de café embarcado pelos porto de Santos nos dias anteriores à Revolução. Excluídos alguns aviões, porém, o material bélico que veio de fora foi quase insignificante, por razões que iam da demora na entrega das encomendas ao boicote de governos estrangeiros (um navio carregado de fuzis e metralhadoras, o Ruth, foi retido em Miami pelas autoridades norte-americanas, e só chegou a Santos quando os combatentes já tinham terminado.
Com todas essas dificuldades, decorridos um mês de luta, São Paulo ainda preferia rejeitar uma proposta de ditadura, trazida em missão secreta pelo ex-ministro Maurício Cardoso, nas seguintes bases: 1) desarmamento das forças constitucionalistas; 2) formação de novo governo civil e paulista no Estado, excluídos os elementos considerados responsáveis pela rebelião; 3) adoção de uma constituição provisória, que vigoraria até a deliberação da Constituinte.
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 8/7/1982 - Jornal da Tarde, página 6.
Nenhum comentário:
Postar um comentário