quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A luta - VI



A recusa do governo paulista a essas condições, que considerou "de capitulação", seria criticada, tempos depois, pelo coronel Euclides Figueiredo, mesmo tendo sido ele o último comandante a aceitar a derrota: "Seria uma solução intermediária; meia vitória. Erro prosseguir na luta armada, quando por todos os lados o adversário dava mostras de sua superioridade numérica e de recursos crescentes, os quais não podíamos superar somente com a bravura de nossa gente, na esperança de que outros Estados viessem a acompanhar São Paulo".
Ainda havia empenho para que isso acontecesse, principalmente quanto ao Rio Grande do Sul. Desde os primeiros dias do movimento, ainda do Rio de Janeiro, e depois de São Paulo, João Neves da Fontoura cobrava de seus conterrâneos o compromisso assumido com São Paulo, reclamando apoio efetivo no campo da luta.
Não era fácil, porém, aos líderes da Frente Única, então com a polícia no seu encalço, levantar o Rio Grande contra a ditadura, como pretendiam. Borges de Medeiros, Lindolfo Collor, Batista Luzardo, Raul Pilla, Glicério Alves deixam a capital e, em fins de agosto, acompanhados de uns escassos combatentes, vão tentar estabelecer um governo provisório em Santa Maria. Mas são interceptados por tropas leais à ditadura, e os que conseguem escapar se refugiarão em estâncias do Interior, na esperança de se reagruparem mais tarde.
Entre eles, o setuagenário Borges, preso afinal em 20 de setembro, após um tiroteio que durou três horas. O lendário caudilho não conseguira levantar a Brigada, que durante 30 anos se submetera ao seu exclusivo comando. E a ajuda do Sul nunca viria.
A essa altura, no entanto, o próprio comandante-chefe das forças constitucionalistas dava demonstrações - embora não públicas - de que já estava disposto a capitular. Em carta ao ministro da Marinha, almirante Protógenes Guimarães, Klinger pede-lhe que consulte o governo sobre as condições para um armistício. Diz que está disposto a isso porque, "afinal de contas, há união de pontos de vista a respeito do ponto essencial - a pronta constitucionalização do país". (Correspondência idêntica foi por ele enviada ao general Menna Baarreto).
A carta de Protógenes tem data de 12 de setembro, e a resposta, de três dias depois. As condições impostas pela ditadura já são outras: há novo item, prevendo punições para os responsáveis pela rebelião; e não se fala mais em constituição provisória.
Já não há, como se verifica, "união de pontos de vista a respeito do essencial", mas nem por isso Klinger se sente desestimulado a prosseguir as negociações para o cessar-fogo, usando os bons ofícios do general Menna Barreto.
No campo de batalha, as defesas de São Paulo em torno da Capital começam a esboroar-se, principalmente pelos lados de Minas Gerais, e as tropas federais aproximam-se dia a dia. No dia 27, o coronel Herculano de Carvalho, convencido de que não conseguiria manter a resistência no setor de Campinas, para onde fora designado dias antes, organiza uma reunião de oficiais das forças constitucionalistas. Vários comandantes de destacamentos manifestam-se, fazendo um balanço sombrio sobre a situação nas diversas frentes e recomendando providências para um cessar-fogo.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - Quinta-feira, 8/7/1982 - Jornal da Tarde, página 6

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Dia do Soldado - 25 de agosto



Dia do Soldado - 25 de agosto

Aos heróis soldados que combateram lutando e defendendo seus Estados com sua vida em defesa de sua Pátria nos campos de batalhas por um país melhor para se viver, nossas sinceras homenagens pelo Dia do Soldado.
Às famílias, seus descendentes e heróis que ainda vivem e são verdadeiras fontes de pesquisa, sabedoria e conhecimento de um movimento revolucionário que buscou lutar por uma nova Constituição que se viu promulgada em 16 de julho de 1934.
À memória de todos os soldados que tombaram em defesa de nosso Brasil.
Memorial 9 de Julho - Pedreira - SP

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A luta - V





O fim da luta, nessas condições, era apenas questão de tempo. Se ela ainda se deveu a dois fatores básicos: o esforço dos combatentes e a incrível mobilização da população paulista em torno de uma causa que se converteu em absoluta unanimidade.
Enquanto os soldados e voluntários resistiam nas trincheiras, a população civil atirava-se apaixonadamente à tarefa de suprir, tanto possível, as deficiências que surgiam. As mulheres costuravam uniformes e agasalhos, preparavam refeições de campanha, arrecadavam cigarros e utilidades para os combatentes. A indústria procurou adaptar-se, do dia para a noite, para a produção de capacetes, armas, bombas, munição para fuzis, vagões blindados, enfim, tudo que pudesse compensar a crescente disparidade de material bélico entre os dois lados em combate.
Meio século atrás, porém, faltava à indústria paulista maior desenvolvimento tecnológico para essa súbita transformação: o equipamento produzido nem sempre era perfeito e, fabricado em condições improvisadas, às vezes não funcionava. Por exemplo, durante os testes dos primeiros morteiros feitos em São Paulo, a explosão extemporânea de um deles causou a morte do comandante da Força Pública, coronel Marcondes Salgado, atingido por um estilhaço (o general Klinger ficou ferido no braço e precisou ser hospitalizado por alguns dias).
Foi nessa ocasião que, chamado do Túnel da Mantiqueira, o coronel Herculano de Carvalho assumiu o comando da milícia. É dele, aliás, um relato que dá uma ideia do problema que se tornara a falta de munição:
"Numa análise deste fator preponderante do nosso desastre militar, não me furto a narrar um fato que se verificava no setor Norte (...) Por falta de munição, que insignificante era a quantidade produzida por nossas fábricas, imaginaram os soldados constitucionalistas algo que a substituísse, ainda na aparência: mandaram construir, nas oficinas da Rede-Sul Mineira, em Cruzeiro, uma espécie de matraca. Sacudida com pulso vigoroso, dava a impressão de tiros de fuzis e metralhadoras. O mesmo efeito obtinham de motocicletas postas em funcionamento (...)"
(O relato do coronel Herculano consta de um documento que publicou, após a Revolução, para defender-se das críticas à sua decisão de aceitar um armistício em separado com as tropas da ditadura).
Houve grande esforço, também, para a compra de armas e munições do Exterior, por conta de créditos sobre carregamentos de café embarcado pelos porto de Santos nos dias anteriores à Revolução. Excluídos alguns aviões, porém, o material bélico que veio de fora foi quase insignificante, por razões que iam da demora na entrega das encomendas ao boicote de governos estrangeiros (um navio carregado de fuzis e metralhadoras, o Ruth, foi retido em Miami pelas autoridades norte-americanas, e só chegou a Santos quando os combatentes já tinham terminado.
Com todas essas dificuldades, decorridos um mês de luta, São Paulo ainda preferia rejeitar uma proposta de ditadura, trazida em missão secreta pelo ex-ministro Maurício Cardoso, nas seguintes bases: 1) desarmamento das forças constitucionalistas; 2) formação de novo governo civil e paulista no Estado, excluídos os elementos considerados responsáveis pela rebelião; 3) adoção de uma constituição provisória, que vigoraria até a deliberação da Constituinte.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 8/7/1982 - Jornal da Tarde, página 6.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A luta - IV



As unidades mandadas de início para a região de Itararé, supostamente para formar alas à passagem das tropas gaúchas, viram-se de repente na situação de ter de enfrentá-las, em condições de incomparável inferioridade numérica e de armamentos. E só depois de muito reforçadas é que puderam tentar deter o avanço adversário, comandado pelo general Valdomiro Lima. (A disparidade de forças, na Frente Sul, manteve-se ao longo de toda a campanha, mas ainda assim as tropas enviadas por Flores da Cunha nunca conseguiram avançar mais do que 20 quilômetros em território paulista.)
Na Frente Norte, já no dia 10 de julho, tropas da Força Pública eram destacadas para ocupar a região do Túnel da Mantiqueira, a 9 quilômetros de Passa Quatro, passagem obrigatória na rota ferroviária de Minas Gerais para São Paulo. Cinco dias depois, começava a sangrenta luta pelo controle daquele que era considerado um dos pontos mais estratégicos da campanha: se os constitucionalistas o perdessem, estaria aberto o caminho para as tropas federais vindas de Minas e do Norte - Nordeste, através do território mineiro.
As primeiras operações no Túnel foram comandadas pelo coronel Herculano de Carvalho, que mais tarde assumiria o comando geral da Força Pública e seria duramente criticado, em alguns setores revolucionários, por ter concordado com a rendição da milícia, nos últimos dias da Revolução.
Do lado dos federais, um dos comandantes  era o coronel Eurico Gaspar Dutra (então à frente de uma unidade do Exército em Três Corações), que se esquivara de um insistente assédio para aderir à causa constitucionalista. E outro futuro presidente prestava serviços ali: o jovem capitão Juscelino Kubitschek, médico da milícia mineira, que lá organizou um hospital de campanha, tão numerosas eram as baixas de ambos os lados.
A resistência paulista no túnel também se manteve até o fim. Se vencida, teria ficado irremediavelmente vulnerável a retaguarda das forças do coronel Euclides Figueiredo no Vale do Paraíba, já assediadas, frontalmente, por contingentes vindos do Distrito Federal, e pelo flanco (as tropas desembarcadas pela Marinha na região de Parati e Cunha).
Aos poucos a ditadura organizava suas forças, fazendo convergir contra São Paulo tropas das várias milícias estaduais, postas à disposição do governo pelos respectivos interventores.
Todo esse exército - heterogêneo, mas numeroso - passou a fustigar o Estado por pelo menos nove pontos diferentes. Ao norte, além do Túnel (e do Vale do Paraíba) havia as frentes de Itajubá, de Ouro Fino e Pouso Alegre e de Uberaba; ao sul e a oeste, além de Itararé, as frentes de Ribeira e Apiaí e a de Jacarezinho, no Paraná.
Para enfrentar esse contingente, São Paulo contava com 10 ou 12 mil soldados da Força Pública, 8 a 10 mil homens de guarnição federal (os números variam um pouco conforme as fontes) e um voluntariado estimado em 50 mil ora em 100 mil ou mais. O fato é que, pela quantidade de fuzis disponíveis, o número máximo de combatentes paulistas dificilmente poderá ter passado de 35 mil, ao todo.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 8/7/1982 - Jornal da Tarde, páginas 5 e 6.


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A luta - III

Destituído de seu comando, porém, Klinger não conseguiu reunir mais que seus ajudantes de ordem e uns escassos soldados, que com ele chegaram a São Paulo no dia 12. "Em vez de termos desse aliado a cooperação com que contávamos, tivemos de mandar forças para abafar, lá, a contra-revolução", comentaria tempos depois o general Euclides Figueiredo. Mas consolava-se: "É verdade que não tivemos tropas desse Estado lutando contra nós".
No Rio, com a precipitação do levante, as forças leais ao Governo Provisório puderam antecipar-se e neutralizar facilmente as eventuais tentativas de adesão ao movimento. O apoio de contingentes do Paraná e de Santa Catarina pouco influiria no destino da luta, mas, de qualquer modo, era em alta escala dependente da posição gaúcha.
Quanto a Minas Gerais, havia quem (como o Coronel Euclides) atribuísse ao velho governador Olegário Maciel certa simpatia pela causa paulista. Ocorre, porém, que os principais constitucionalistas mineiros - Artur Bernardes, Mário Brant, Djalma Pinheiro Chagas - faziam oposição ao seu governo e, depois de alguma hesitação, Maciel acabou ficando com a Ditadura. Já no dia 10 a Força Pública mineira desloca-se para o Túnel da Mantiqueira, na região da divisa entre os dois Estados, onde seriam travados alguns dos mais encarniçados combates de toda a campanha.
Para completar o quadro, a Marinha de Guerra bloqueou o porto de Santos, impossibilitando, desde logo, o desembarque de armas e munições, de cuja falta as forças paulistas iriam ressentir-se dramaticamente ao fim de alguns dias de luta. (A Marinha facilitaria, posteriormente, o desembarque de tropas da Ditadura no Litoral Norte e na região de Parati. Essas tropas bloquearam a coluna paulista que se preparava para avançar para o Rio, a partir da ocupação de Barra do Piraí).
Mas os chefes revolucionários ainda não avaliaram até que ponto estavam isolados e continuavam contando com os supostos aliados. Por designação do general Isidoro, o coronel Euclides assumira o comando do movimento, enquanto não chegasse o general Klinger. No dia 12, finalmente, ele desembarca na Estação da Luz, e Menotti del Picchia assim descreve a cena:
"Na estação, o doutor Ibrahim Nobre, que se tornara o tribuno popular da Revolução, pronunciou um discurso cuja forma alegórica e rebuscada, muito ao gosto do povo e ao sabor do momento, denuncia o estado de exaltação coletiva. O general Klinger respondeu com a famosa frase: "Desembainho a espada em continência à lei", marcando, assim, o sentido nacional e constitucionalista do movimento".
"O trajeto da estação ao Quartel-general foi uma apoteose. A multidão acompanhou delirante o novo paladino da causa que São Paulo abraçara. Para dar marcialidade ao espetáculo, o general Klinger desceu do auto oficial, onde vinha rodeado por vários membros do governo, e montou num cavalo cedido por um dos cavalarianos de sua guarda (...)"
Apesar do aspecto triunfal da recepção, porém, o movimento estava apenas começando. E perdendo momentos irrecuperáveis, segundo a opinião de muitos de seus militares, pois, em três dias, não avançara um passo além da Capital.
Nesse mesmo dia, Euclides Figueiredo passa o comando geral a Klinger e vai comandar o avanço rumo ao Vale do Paraíba, em direção ao Rio. Mas detém-se nos limites do Estado, instalando seu quartel-general em Cruzeiro.
Se tivesse prosseguido rumo ao Rio, segundo o insuspeito depoimento de Benjamim Vargas ao historiador Hélio Silva, "seria recebido com flores, porque as guarnições militares e a própria população eram simpáticas à causa constitucionalista". José Américo de Almeida, à época ministro da Viação de Getúlio, entendia que, se Figueiredo tivesse prosseguido, acabaria dominando a situação, pois iria encontrar Góis Monteiro confuso e indeciso. Ou ansioso para aderir, na opinião de Hélio Silva, que em suas pesquisas identificou indícios claros de que o general não se recusaria a aceitar o comando do levante, se lhe fosse oferecida a oportunidade, pois andava seduzido pela ideia de assumir o poder.
Também o general Brasílio Taborda, que comandou a Frente Sul das forças constitucionalistas, era de opinião, por razões táticas, de que uma ofensiva fulminante sobre o Rio teria decidido a sorte da luta em favor de São Paulo.
Para o próprio Euclides Figueiredo, no entanto, "atirar toda a tropa para diante, sem mais considerações de ordem militar, seria correr uma aventura, contando simplesmente com a surpresa". Àquela altura - explicava - tratava-se de estabelecer uma situação transitória de defesa, dando tempo para que chegassem as forças aliadas, quando então a revolução partiria em ofensiva.
Essas forças aliadas, já se viu, nuca chegaram. Ou melhor, chegaram contra - provocando total reversão de planejamento tático e do próprio destino da luta. Em lugar de um avanço para o Distrito Federal - que os mais otimistas anteviam como pouco mais difícil que uma parada militar -, as tropas paulistas tiveram de ser dispostas em posição defensiva, procurando bloquear os caminhos que levavam à Capital.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - Quinta-feira, 8/7/1982 - Jornal da Tarde, página 5.