quinta-feira, 31 de julho de 2014

A luta - II








Os bares e cafés ainda fervilhavam, mas poucos notaram quando, por volta das 22 horas, começaram os primeiros movimentos de tropas. O que chamou atenção foi que, pouco depois, os alunos da Faculdade de Direito, no Largo São Francisco, começaram a circular com fuzis a tiracolo. Pela meia-noite, tropas da Força Pública ocupavam os Correios e, em seguida, a Telefônica. Foram os primeiros atos revolucionários ostensivos.
Mesmo os que tivessem lido atentamente os jornais daquele dia não encontrariam indícios de que a Revolução fosse tão iminente. O Estado de S. Paulo, por exemplo, dava este título ao seu principal noticiário político: "Um dia sem notícias". Informava: "Rio, 8. Mais árido ainda do que ontem se apresenta hoje o terreno onde o noticiarista tenta em vão obter umas respingas de informações políticas para oferecê-las à natural e ansiosa curiosidade do público. Hoje foi positivamente um dia sem notícias". O redator admitia, porém, que "proliferavam os boatos, pelos corredores do Ministério, pelas redações dos jornais, pelos cafés, pelos quartéis..."
O editorial abordava um tema econômico, chamando a atenção dos poderes competentes para o esvaziamento da importância do porto de Santos, e o noticiário local informava sobre uma reunião do secretariado de Pedro de Toledo e sua decisão de mandar cumprimentos ao ditador pela designação do general José Luís Pereira de Vasconcelos para o comando da 2ª Região Militar. Outra notícia local: o anúncio da inauguração do serviço de ônibus, de meia em meia hora, para o "vizinho município" de Santo Amaro.
No dia seguinte, sim: em manchete, O Estado (jornal) anunciava a revolução, informando, nas páginas internas, que "Está vitorioso, em todo o Estado, o movimento revolucionário de caráter constitucionalista". E nos subtítulos: "Pela manhã, já havia aderido todas as guarnições federais, inclusive Quitaúna - Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina integrados no movimento - As forças de Mato Grosso marcham para Bauru - O general Klinger chegará hoje de avião - A aclamação do dr. Pedro de Toledo presidente do Estado - Forte concentração de forças paulista em Cruzeiro".
Depois de recapitular as origens e os objetivos do movimento - "repor o Brasil, rapidamente, sob o domínio da lei" - e de traçar um breve perfil de seus principais comandantes militares (o general Isidoro Dias Lopes e o coronel Euclides Figueiredo), o jornal faz um balanço das adesões:
"(...) No Rio Grande do Sul e em São Paulo, a totalidade das guarnições federais, das polícias estaduais e do elemento civil. Em Mato Grosso, toda a tropa federal, parte da polícia e contingentes civis. No Rio, Paraná e Santa Catarina, apoiam o movimento importantes contingentes. A situação em Minas Gerais pode ser resumida no apoio de diversas guarnições e na solidariedade de todos os elementos do Partido Social Nacionalista. O presidente Olegário Maciel manifestava-se francamente partidário de uma solução amistosa, mas assegurou aos chefes constitucionalistas que em nenhuma hipótese os soldados mineiros atirariam sobre as forças paulistas."
Era isso, de fato, o que esperavam os líderes do movimento, mas nada de parecido aconteceu.
No Rio Grande do Sul, a reviravolta do interventor Flores da Cunha transformou em inimigos os contingentes que os paulistas consideravam como aliados. E a solidariedade gaúcha limitou-se, a partir de então, aos esforços que, sem tropas e sem armas, os líderes da Frente Única passaram a empreender, na tentativa de manter a palavra empenhada com São Paulo.
De Mato Grosso, contavam os paulistas com a ajuda de pelo menos 6 mil soldados, número assegurado pelo general Klinger nos encontros preparatórios do movimento.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, quinta-feira, 8/7/1982 - Jornal da Tarde - página 5.


sexta-feira, 25 de julho de 2014

A luta - I




"9 de julho de 1932. Dr. Francisco Campos, ministro da Justiça. Ciente da destituição do general Klinger do comando da Circunscrição de Mato Grosso, rogo a V. Excia. se digne comunicar ao eminente chefe do Governo Provisório que tomarei todas as medidas ao meu alcance para a manutenção da ordem (...) Cordiais saudações, (a) Pedro de Toledo".
"10 de julho de 1932. Dr. Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório. Esgotados todos os meios que ao meu alcance estiveram para evitar o movimento que acaba de verificar-se na guarnição desta Região, ao qual aderiu o povo paulista, não me foi possível caminhar ao revés dos sentimentos do meu Estado. Impossibilitado de continuar a cumprir o mandato que V. Excia. houve por bem confiar-me (...) venho renunciar ao cargo de interventor (...) (a) Pedro de Toledo".
Mais do que uma perfídia, presumível à primeira vista, a brusca mudança de posições manifestada pelo interventor Pedro de Toledo, nos telegramas que mandou ao Governo Provisório, indica que foi ele um dos últimos a saber de uma revolução em São Paulo, naquele dia 9.
E sua adesão nem foi tão rápida como pode parecer. Toledo voltava ao Palácio, vindo da Estação do Norte, onde fora despachar um emissário de Getúlio (o ministro Salgado Filho, a quem acabara de reafirmar sua lealdade à Ditadura). Estranhou ao encontrar as luzes acesas e todo o seu secretariado reunido.
Só então ficou sabendo que a revolução estava nas ruas, e pensou até em resistir, fiel às promessas que fizera de manter a ordem no Estado. Foi somente horas depois que, ante os enfáticos apelos de todos os seus auxiliares, acabou concordando em demitir-se da interventoria, para ser aclamado governador de São Paulo.
Também a população demorou a notar que havia um levante.
Era uma noite de sábado, e as ruas do centro estavam animadas, com aquele aspecto cosmopolita que tanto agradava aos paulistas, orgulhosos de sua metrópole de 1 milhão de habitantes. Nos cinemas lotados, alguns assustavam-se com O Vampiro de Dusseldorf, que estreava no Odeon, enquanto outros comoviam-se com Marlene Dietrich em O Expresso de Shangai, no Paramount. O Teatro Bela Vista apresentava uma companhia portuguesa, e prometia para breve a volta de Procópio Ferreira, com suas piadas sobre Getúlio que o público paulista considerava "impagáveis".

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, Quinta-feira, 8/7/1982 - Jornal da Tarde, página 5.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Personagens de 1932 - Coronel Euclides Figueiredo



Coronel Euclides Figueiredo

O coronel Euclides Figueiredo, pai do atual presidente, sempre viu com desconfiança a interferência de militares na política. Ele achava que, mesmo pretensamente transitória, a passagem de militares pelo poder sofria uma incontrolável tendência a prolongar-se indefinidamente.
Essa foi uma das razões que o levou a colocar-se contra a Revolução de 1930 - apoiada pelo tenentismo -, da mesma forma que fora contrário aos movimentos revolucionários de 1922 e 1924, que considerava de raízes essencialmente militares.
Preso em outubro de 1930, quando servia em Alegrete, Rio Grande do Sul, e libertado meses depois, quando a Revolução se sentia consolidada, Figueiredo procurou o ministro da Guerra, general Leite de Castro, pedindo-lhe que o reformasse, pois não estava disposto a servir ao Governo Provisório, ao qual atribuía propósitos de tornar-se definitivo.
Mesmo informado da posição de Figueiredo, o ministro negou-lhe a reforma, afirmando que o Exército não poderia prescindir de um oficial de seu valor.
Morava no Rio de Janeiro quando foi posto em contato com os líderes constitucionalistas, por meio de seu irmão Leopoldo, empresário em São Paulo e membro do Partido Democrático. Engajou-se de corpo e alma no movimento, para o qual procurou adesões nos meios militares do Distrito Federal.
No dia 9 de julho, surpreendido pela precipitação do levante, viajou às pressas para São Paulo, assumindo o comando militar até a chegada do general Klinger do Mato Grosso. Então, foi comandar as forças constitucionalistas no Vale do Paraíba, que resistiram, até os dias finais da luta, às tropas do Governo Provisório, reconhecidamente superiores em número e armamento.
O coronel Figueiredo foi, literalmente, o último a se entregar. A Revolução estava batida havia mais de dez dias quando o capturaram, na ilha de Santa Catarina, a bordo de um barco de pesca com o qual tencionava  chegar ao Rio Grande, onde acreditava ainda haver luta contra a Ditadura.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, Quinta-feira, 8/7/1932 - Jornal da Tarde, página 7.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Personagens de 1932 - Francisco de Mesquita



Francisco de Mesquita

Em 1926, um grupo de oposicionistas de São Paulo reúne-se no salão das Classes Laboriosas para lançar as bases de um novo partido. E, à medida que os oradores se sucedem, mais distante parece tornar-se a unidade de pensamento.
É quando, na plateia, um moço pede a palavra e inicia um discurso de improviso. O novo partido, afirma, não pode ser apenas um PRP honesto, não pode correr o risco de ser outro órgão a serviço das oligarquias; é preciso que seja um instrumento de construção da democracia, por meio do voto secreto e da Justiça Eleitoral. A argumentação, clara e objetiva, estende-se por mais de uma hora, e ao final o Partido Democrático tinha praticamente definido seu programa de ação.
O orador era Francisco Mesquita, que, encerrado o discurso, reassume a atitude discreta que lhe era característica.
Adepto fervoroso da Revolução de 1930, foi, talvez por isso mesmo, um dos primeiros a identificar o que considerava os desvios de seus objetivos. Membro do primeiro secretariado paulista constituído após a vitória revolucionária, não permaneceu no cargo mais do que alguns dias (logo o governo nomearia interventor o tenente  João Alberto).
O nome de Francisco Mesquita figura entre os signatários do documento que formalizou a aliança dos partidos paulistas (a Frente Única) e, pouco mais tarde, entre os fundadores do MMDC.
Iniciada a Revolução Constitucionalista, Francisco Mesquita prefere abdicar de sua posição de liderança, para lutar como simples soldado. Depois de submeter-se a uma rápida instrução militar no quartel de Quitaúna, incorpora-se ao 6º Regimento de Infantaria e segue para a frente de combate.
Transferido, dias mais tarde, para o Batalhão Piratininga (formado por voluntários), o combatente Chiquinho, como era chamado entre os colegas, é designado para as trincheiras de Vila Queimada, no Vale do Paraíba, uma das áreas mais fustigadas pela artilharia inimiga; lá, a 19 de agosto, acaba capturado em combate, num choque com o destacamento do então capitão Sizeno Sarmento. É mandado, então, para a Ilha Grande, onde ficaria preso até seguir para o exílio.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, Quinta-feira, 8/7/1932 - Jornal da Tarde, página 7.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Personagens de 1932 - Borges de Medeiros




Borges de Medeiros

Depois de governar o Rio Grande durante 25 anos ininterruptos, Borges de Medeiros, austero, solene e pobre, constituía-se num oráculo para os homens públicos de sua terra, até mesmo para os que não pertenciam ao seu partido, o Republicano.
Foi nessa condição que dera seu apoio aos constitucionalistas gaúchos, convencido de que Vargas já não tinha intenção alguma de cumprir os compromissos assumidos durante a Revolução, principalmente quanto à realização de eleições a curto prazo.
Irrompido o levante em São Paulo e conhecida a reviravolta do interventor Flores da Cunha, o velho caudilho teve, de início, um momento de hesitação. Tinha de optar entre dois valores que prezava sobre todos os demais: a ordem, que estava na base de sua formação positivista, e a honra, que o compelia a romper com a ordem para não faltar ao compromisso com os paulistas.
E foi para honrar a palavra empenhada que, afinal, saiu de Porto Alegre disfarçado, em companhia de Batista Luzardo, atravessando o Guaíba de barco, no meio da noite, e cavalgando horas seguidas rumo a Santa Maria. Lá, com o apoio de uns poucos combatentes e outros membros da Frente Única, pretendiam instalar um governo provisório em oposição a Flores e a Vargas. Mas foram interceptados, a caminho, por tropas leais à ditadura, e, dispersados, tiveram de refugiar-se em estâncias da região.
A perseguição continuou, visando, sobretudo, à captura de Borges, que se acabou entregando, após o tiroteio de três horas seguidas e depois de disparar o último cartucho que lhe restava.
Borges tinha, então, quase 70 anos. Getúlio quis bani-lo, e o próprio Flores insurgiu-se contra isso: "Não podemos esquecer que o Dr. Borges de Medeiros é um homem pobre. Não tem absolutamente recursos para viver no estrangeiro. Toda sua vida (...) protesta contra a ideia de pretender fazê-lo, na velhice, sustentar-se da caridade de amigos, longe da família e da Pátria".
Getúlio contentou-se, então, com o banimento interno, e o mandou para Recife.

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - Quinta-feira, 8/7/1932 - Jornal da Tarde, página 7.