Flores da Cunha
"Às vezes, tinha vontade de atar a corda ao pescoço e vir entregar-me aos paulistas, para dizer-lhes que eles é que tinham razão". Essa retratação pública foi feita perante um admirado plenário, na Assembleia Constituinte de 1946, pelo general Flores da Cunha, interventor no Rio Grande do Sul em 1932 e um dos principais responsáveis pela derrota da Revolução Constitucionalista. Aliás, como ele mesmo reconhecia, em seu inesperado depoimento:
"(...) concorri, decisivamente, para que o grande movimento paulista fosse jugulado. Mandei ao Sr. Getúlio Vargas mais de 30 corpos que organizei para a defesa de seu governo e daquilo que ele chamava de ordem".
O estranho é que Flores da Cunha, embora colocado no governo gaúcho pelo próprio Getúlio, conspirava contra a Ditadura com os políticos da Frente Única, autorizando-os a transmitir aos paulistas o apoio do Rio Grande do Sul. A partir de determinado momento, porém, atormentado por dúvidas que nunca exteriorizou aos demais conspiradores, passou a manter o Governo Provisório informado de tudo que se passava.
Na fase de conspiração, chegou a consultar o pai dos tenentes Orlando e Henrique Geisel, da guarnição de Cachoeira, quanto à possível adesão de seus filhos a um movimento contra a Ditadura (o senhor Augusto Geisel respondeu-lhe que nunca trataria tal assunto com os filhos). Na mesma fase, Flores forneceu fuzis e munição para a preparação do levante no interior do Estado; depois, ao mudar de planos, mandou recolher as armas e prender as pessoas a quem as confiara.
Dúbio até as vésperas da Revolução, a ponto de desconcertar os constitucionalistas gaúchos que contavam com ele, acabou ordenando que marchassem contra os paulistas as tropas que prometera enviar para ajudá-los.
"Espero em Deus ainda hei de voltar a São Paulo, para visitar aquelas salas quadrangulares do velho Convento de São Francisco e dobrar os joelhos para penitenciar-me", diria ainda Flores em seu ato de contrição na Constituinte, 14 anos mais tarde.
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, Quinta-feira, 8/7/1932 - Jornal da Tarde, página 7.